segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

“Sou treinado para ser frio, mas nunca vi nada assim”, desabafa soldado

O soldado Carlos de Souza, 36 anos, monta guarda na Granja Comary: provisoriamente afastado dos resgates
O cenário da tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro abala até quem é treinado para ser frio nessas situações. O soldado Carlos de Souza, 36 anos, chegou a Teresópolis na madrugada de sexta-feira, junto com outros 224 homens da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). Sem dormir desde então, ele se divide em diversas tarefas, como patrulhamento, repressão a saques e o mais importante: os resgates.
No sábado, o PM pernambucano foi ao bairro de Campo Grande, em busca de sobreviventes e corpos. Encontrou mais cadáveres do que pessoas com vida. Pelo caminho, viu crianças, adultos, idosos e animais, todos mortos. As imagens abalaram o soldado, que caiu em lágrimas. O impacto emocional foi tão grande que, no dia seguinte, ele foi afastado das funções de resgate, para se recuperar. Passou o domingo vigiando a entrada da base improvisada do Exército na Granja Comary.

“Já chorei muito. Fiquei um pouco perturbado com tudo aquilo. Mas amanhã quero voltar a participar de resgates. Sou treinado para ser frio em situações como tiroteios e assaltos, mas nunca tinha visto nada assim. Também tenho coração”, confessa o policial.
O soldado da FNSP é solidário ao drama das vítimas. Viúvo há poucos meses, ele deixou a filha de oito anos com a avó, em Pernambuco, para ajudar nos resgates. “Sei bem o que é perder um ente querido. Temos que dar todo o apoio. Estou aqui por uma causa nobre. Ainda devemos ficar aqui por uns três meses”, afirma.

Durante os resgaste de sexta-feira, Carlos teve que ser deslocado às pressas para coibir um saque a um supermercado no centro da cidade. No entanto, acostumado a prender pessoas em mais de 10 anos de profissão, ele se viu numa situação inédita: “Eram pessoas necessitadas, com sede e fome. Não eram bandidos. Sabíamos disso. O tratamento é diferente, claro. Detivemos alguns, mas houve bom senso. Ele foram liberados e encaminhados para o ginásio Pedrão, onde receram comida e banho”, conta.

Neste domingo, quatro dias após a tragédia, o soldado Carlos teve uma prova de que, por mais difícil que seja, ainda é possível encontrar sobreviventes em áreas distantes. “Chegou aqui hoje uma mulher, aparentando uns 25 anos. Ela estava com as duas pernas quebradas. Não sei de qual localidade ela veio, mas está viva e foi levada para o hospital”, comemorou, mas sem perder o senso da triste realidade: “O fato é que, a partir de agora, é muito difícil encontrar alguém com vida”.

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