A palavra “reveillón” vem do verbo despertar, em francês. Despertar inspira frescor e renovação. Por isso, para mim, fim de ano é tempo de reciclar e preparar o tal novo amanhecer. Uso-o como marco para começar uma espécie de faxina, de rever escolhas, revisitar gavetas e abrir caixas para tirar o que não serve. Tudo porque é muito gostosa a sensação de começar o ano novo mais zeradinho, com cara de renovado mesmo, não só no calendário. Também para que toda essa pressão da enxurrada de “fim de ano” ganhe mais sentido e um tempero mais particular.
É bom começar verificando as necessidades da morada concreta: manutenção e funcionamento dos canos, tomadas, calhas, piso e tapetes para lavar. Hora boa até para aquela difícil conclusão de que é hora de pintar a casa – ainda bem que isso não é todo ano, mas o fato é que os dias chegam e o dia de renovar a pintura também. Melhor fazer logo a limonada com esse limão. Escolher as cores sem medo de ousar já é um ato libertador e traz aquele ar de mudança que pode ser tão prazenteiro quanto restabelecer a calma absoluta do branco renovado – cada qual no seu estilo. Importante é manter a casa saudável e acolhedora, pois ela é a morada da alma.
Em seguida, é hora de chamar o jardineiro para plantar as mudas que a gente vai buscar por aí bem cedinho, numa sexta-feira dessas. Fazer a poda, amarrar orquídeas, adubar os frutos e deixar a casa arrumadinha, feito criança saindo pra festa: toda enfeitada de cantinhos e canteiros, franjas bem aparadas, galhos de árvores bem penteados, matos arrancados e as trepadeiras devidamente conduzidas para o rumo certo. E já engata na lavagem do quintal – quem mora em casa sabe o poder e importância de uma daquelas maquininhas de esguicho com pressão. Delícia que é percorrer chãos e paredes atrás do limo, do escuro de terra e poeira acumulados e ver a força da água lavar tudo e fazer escorrer a sujeira para o ralo mais próximo! E o lado de dentro também agradece se você for mentalizando os próprios bolores e cantos empoeirados, arejar e escoar o que ficou estagnado no coração, despoluir sentimentos, desentupir ressentimentos e dar vazão ao fluxo – que segue.
É vez do armário, agora. Aprendi com minha sábia mãe a fazer esse mergulho uma vez por ano seguindo o mote de ver o que serve e o que não serve – seja no tamanho ou na utilidade, e tirar da frente sem dó. Dar a quem serve e usará é o mais razoável, inventar bazar de trocas com as amigas também vale. Bazares de troca deveriam ser mais comuns em tempos sustentáveis. Deixar no carro umas peças pra distribuir nos faróis da cidade tem feito a alegria de muitos, inclusive a minha, de ver o sorriso de cada um deles! O que norteia é tirar o excesso e saber o que ficou faltando. Concentre-se para, dos espaços vazios criados na reciclagem do ano que se foi, nasçam suas resoluções de ano novo.
Continue passeando seus olhos pela casa reavaliando objetos, mude um pouco as coisas de lugar porque nada deve ficar parado. Traga uma almofada nova, troque as fotos dos porta-retratos, inclua novas paisagens e faça circular a mobília pra que surjam novas perspectivas. Enfim, o Cosmo inteiro está em movimento, não há de ser você que vai ficar parada. Interiorize mais e mais essa intenção e faça o mesmo com seus rancores e pensamentos: faça circular, crie movimento, invente banhos, faça uma lista de desejos e os enterre para que brotem. Faça outra de velhos e indesejáveis aspectos de que quer se livrar e queime.
Sentimentos velhos pertencem ao ano velho, é libertador e revolucionário deixá-los pra trás e é muito gratificante saber que conseguimos mudar vícios no comportamento e na forma de sentir e reagir às coisas. O automatismo é muito nocivo porque te exime de estar presente naquele exato momento e situação específica, enquanto a presença torna sua resposta mais criativa e autêntica. Ressentimentos, mágoas e desejos frustrados podem ser queimados e deixar no lugar a leveza, a liberdade e as possibilidades de transformar.
Tenha um alegre despertar!
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
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